A Parceria Transpacífico e suas consequências para o Brasil: uma aproximação preliminar
A Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês) é um abrangente acordo de comércio e investimentos, firmado em 4 de outubro de 2015, após sete anos de negociações. O acordo conta com doze países signatários banhados pelo Oceano Pacífico. As negociações, lançadas em 2008, visavam à ampliação do Acordo de Parceria Econômica Estratégica Transpacífico (Trans-Pacific Strategic Economic Partnership - TPSEP, também conhecido como P4), assinado originalmente por Brunei Darussalam, Chile, Nova Zelândia e Singapura em 2005. As negociações incorporaram progressivamente os demais países signatários: Austrália, Canadá, Japão, Malásia, México, Peru, Estados Unidos e Vietnam.
O TPP é, nesse sentido, uma etapa adicional da corrida iniciada pelo acordo de livre comércio entre Nova Zelândia e Singapura no início do século. A partir desse acordo, iniciou-se um movimento de negociações competitivas numa região que havia desenvolvido elevada integração produtiva com base no sistema multilateral de comércio, em regime não preferencial. O TPP, para boa parte de seus membros, sanciona circuitos produtivos já formados e, nesse sentido, tem menor impacto para os países de fora da região do que para os países concorrentes, como a Indonésia ou a Tailândia, que passam a ter desvantagens em relação a Malásia ou Vietnam, na competição por inserção nas cadeias produtivas regionais. Para países como México, Canadá, Chile e Peru, tratava-se também de não ver erodidas as preferências dos acordos de livre comércio que já possuíam com os EUA e outros países participantes sem obter um mínimo de benefícios adicionais. Para vários dos países menores, a participação insere-se também na noção de que a vinculação aos grandes mercados proporcionada por acordos deste tipo é uma fonte de atração de investimentos externos.
Num sentido mais amplo, o TPP consagra o movimento de gradual distanciamento dos Estados Unidos do multilateralismo comercial que eles mesmos criaram, iniciado com a negociação do acordo de livre comércio com o Canadá, origem do NAFTA. Conforme o sistema multilateral consagrado pelo GATT/OMC se ampliou, tornou-se cada vez mais difícil definir suas regras e bases de negociação num diretório restrito conformado por países desenvolvidos com visões econômicas similares. Por meio de acordos comerciais preferenciais, os EUA passaram a utilizar a dimensão de seu mercado interno e o potencial de investimentos externos de suas empresas para promover agendas de mais difícil aceitação no ambiente multilateral. Os acordos de livre comércio dos EUA, desde o início, foram menos sobre eliminar barreiras ao comércio do que sobre temas que estão além das fronteiras, como proteção da propriedade intelectual ou disciplinas sobre investimentos. O TPP não é diferente e se insere num movimento de lançar uma nova rodada de “novos temas” normativos que buscarão, depois de desenhados e razoavelmente estabilizados, trazer às disciplinas multilaterais.
De acordo com o escritório da representação norte-americana para o comércio (United States Trade Representative - USTR), o TPP objetiva “promover o crescimento econômico; apoiar a criação e manutenção de postos de trabalho, reforçar a inovação, a produtividade e a competitividade; elevar os padrões de vida; reduzir a pobreza; e promover a transparência, a boa governança e proteção ambiental”1 . A ambição dos objetivos se reflete no amplo escopo temático da normativa negociada, que, por si só, já atrairia enorme atenção para o acordo. Despontam ali, em diferentes níveis de desenvolvimento e profundidade, temas como comércio eletrônico, medidas de controle de propriedade intelectual (enforcement), comércio e meio ambiente, comércio e padrões trabalhistas, subsídios a empresas estatais, entre outros, que vão além dos compromissos multilateralmente acordados na OMC ou outros foros. A paralisação da Rodada Doha de negociações comerciais da OMC, após junho de 2008, forneceu aos EUA o pano de fundo adequado para a narrativa da necessidade de avançar nos acordos bilaterais e plurilaterais diante da paralisia do pilar negociador da OMC. A administração Obama, que assume em 2009, orientou sua diplomacia econômica a “elevar o sarrafo” das demandas aos grandes países emergentes no contexto das negociações da OMC, sem ampliar suas próprias concessões, prolongando o impasse e abrindo espaço para, por meio das negociações preferenciais, manter um discurso pró-comércio em condições mais controladas.
Num terceiro sentido, o TPP se inscreve na declarada iniciativa dos EUA de pivot to Asia. O TPP consolida o eixo Ásia-Pacífico como um dos pilares mais importantes das relações comerciais internacionais. Mas, para muitos analistas, mais que um acordo comercial, o TPP é um fato geopolítico. Com efeito, em que pese o sentido econômico do acordo, a motivação geopolítica de países signatários do TPP convida a uma avaliação que vá além das análises quantitativas dos ganhos que podem auferir.
Conjugam-se no eixo Ásia-Pacífico o potencial econômico do Japão, o enorme peso da economia chinesa e os arranjos que organizaram a produção em torno de cadeias regionais de valor integradas. O acelerado crescimento chinês dos últimos 25 anos aumentou sobremaneira a influência da China na região, de uma forma que, crescentemente, ultrapassa a dimensão econômica e se manifesta como presença geográfica, seja com o gradual reforço da projeção da força naval, seja com o projeto “one belt one road”, que busca criar estruturas de comunicação e transportes coordenadas pela China em seu entorno. Uma forma de tentar mitigar o enorme déficit comercial dos Estados Unidos com a China3 e ampliar a influência norte-americana na Ásia-Pacífico seria lograr um abrangente acordo comercial que, excluída a China, fortalecesse os fluxos de comércio e investimento entre os participantes a partir dos polos norte-americano e japonês. O argumento, repetido no debate interno dos Estados Unidos pelo presidente Obama, de que o TPP permite aos EUA desenhar as disciplinas comerciais da Ásia-Pacífico em vez da China, não deixa dúvidas a respeito da instrumentalidade geopolítica do acordo para os norte-americanos. Não é difícil imaginar, tampouco, que o passo dado pelo Japão tenha entre suas principais motivações o reforço da parceria com os EUA para fazer frente a uma China em expansão econômica e política. Embora o Japão já tivesse abandonado o estrito multilateralismo comercial sob o qual construiu suas redes econômicas na região, o TPP coloca desafios de nova magnitude para os setores japoneses sensíveis, notadamente a agricultura. Essas resistências foram ultrapassadas pelo esforço de introduzir modificações estruturais que despertem a economia japonesa de seu longo processo de perda de dinamismo, mas também, certamente, por considerações de estratégia geopolítica.